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Um
ano se passou desde que Fido veio morar comigo, é novamente outono e o sol lá
fora não é suficiente para afastar o clima frio. Eu tenho aquecimento central a
gás e um aquecedor elétrico portátil (meu favorito), mas pela primeira vez não
precisei usar nenhum deles. O aquecedor de água a energia solar que eu e Janine
montamos há algumas semanas com a ajuda de Fido começou a funcionar pela
primeira vez. É muito simples montar um aquecedor de água solar, e econômico
também, mas eu e Janine decidimos testar um aquecedor central, que esquenta a
casa, usando a mesma água quente, só que desviada para tubulações especiais espalhadas pela casa.
Deu muito trabalho, e por mais de uma vez a casa ficou inundada, mas no fim
hoje estou esquentando meus pés sem dor na consciência. Claro que no inverno o
aquecedor vai funcionar com menos eficiência ou talvez não funcionar
totalmente, mas pelo menos vai ajudar a baixar a conta de luz.
Alias
Janine se formou, pegou o diploma no começo do ano. Quando soube que ela já
tinha conseguido um emprego, fiquei feliz e triste ao mesmo tempo.Feliz por
saber que ela chegou onde queria, triste porque não a veria mais. Com o tempo,
comecei a gostar de Janine de uma forma meio diferente, não exatamente
adequada, já que eu era o empregador e ela a empregada. No ultimo dia de
trabalho dela decidi me abrir e confessar meus sentimentos. A acompanhei até a
pequena varanda, banhada pelos últimos raios de luz do dia.
-Janine...-Senti
minhas mãos tremerem, percebi que Janine fixou seus olhos nos meus e ficou lá,
imóvel, esperando que eu continuasse. Mas estava difícil encontrar palavras.
-Janine,
espero que você seja muito feliz em seu novo trabalho, vou sentir
saudades...Por favor apareça por aqui para nos ver-Disse colocando a mão na cabeça
de Fido que estava ao meu lado.
Janine
não pareceu gostar do que eu disse, ficou em silencio, com uma expressão
zangada e respondeu, ou melhor dizendo, questionou rispidamente:
-É
isso? Jota, depois de tudo, só isso?!
Ela
pegou as copias das chaves da minha casa que nos últimos anos foram dela e
jogou no chão.
-Seu
ESTUPIDO!!
E
saiu raivosa pelo portão. Fiquei desesperado, pelo jeito havia estragado tudo,
mesmo sem saber como. Agarrei as chaves no chão e decidi ir atrás dela. Algo
ousado, para alguém como eu, mas naquele instante eu havia percebido que
precisava dela em minha vida, que não podia perdê-la. Quando me levantei, ela
já havia voltado. Com um rosto zangado, ela caminhou lentamente até mim.
Segurei seus braços, decidido a dizer que a amava, quando ela se segurou no meu
pescoço e, sem dizer nada, me beijou. E eu apenas correspondi. Ficamos ali,
juntos, nos beijando por um bom tempo no escuro da noite.
-Seu
estúpido, eu tenho que fazer tudo por aqui?
-Sorri,
como se sorrisse pela primeira vez, a beijei na testa, peguei-a nos braços e a
levei de volta para dentro de casa. Nossa casa. Com um chute fechei a porta, e
pelo resto da noite nós finalmente confessamos o que sentíamos um pelo outro.
E
o pobre Fido ficou trancado para fora a noite toda, sozinho no sereno, mas eu
juro, foi sem querer.
Hoje
quando me lembro disso, não consigo evitar de sorrir. Alias nem tento. Já fazem
seis anos desde que eu e Janine nos casamos ( colocamos “J&J” nas
alianças), e oito anos desde que nosso amigo Fido passou a fazer parte de
nossas vidas.Hoje ele não me ajuda mais no trabalho, isso eu deixou para os
novos robôs que eu e Janine temos, o bom e velho Fido, com sua excelente
manutenção e muitas up-grades é apenas mais um membro da família. Obcecado com limpeza,
continua a insistir em limpar a casa. Eu e Janine admiramos muito como ele e
nossa filha, Naylyn, se tornaram amigos. Ela, com seis anos, segue Fido, alguns
centímetros mais alto, aonde quer que ele vá, e quando ela sai para explorar a
casa, é a vez dele segui-la de perto. Ele é um Pinóquio moderno, com um
software de grilo falante, cuidando da segurança dela, e tentando ensiná-la a
diferença entre certo e errado.
Nós
sabemos que um dia não terá mais como fazer a manutenção de Fido, seu modelo,
agora obsoleto já saiu de linha há vários anos. Mas Janine já achou uma
solução: Um robô de ultima geração, com um programa emulador. Um novo corpo, o
mesmo Fido. Mas decidimos adiar isso por algum tempo, para que Lyn possa
entender toda essa idéia de troca de corpo.
Hoje
quando sento em meu escritório com dois robôs de qualidade ao meu lado penso em
como minha vida mudou. Hoje sou um dos donos da empresa (toda minha paranóia de
perder o emprego sem duvida me ajudou nisso), sou casado com a mulher que amo e
tenho uma filha linda. Posso estar errado, mas eu acho que tudo isso se deve ao
fido. Sem ele, minha vida não teria mudado, eu não teria saído daquela triste zona de conforto, e tão pouco teria tido
a chance de conhecer melhor Janine, que antes era apenas uma pessoa estranha
que trabalhava comigo. Alias, hoje tenho pela primeira vez muitos amigos. Meus
colegas, meus vizinhos, de um jeito ou de outro sinto que foi graças a Fido que
eu decidi ir atrás de outras pessoas, e ser um pouco mais humano.
Levanto-me
e olho pela janela, lá estão os dois, Fido e Naylyn, brincando de piratas, ela
pura energia, e ele logo atrás, com uma caixa de lencinhos úmidos.
-Senhorita,
antes de por a mão na boca você deve higienizá-la, higienizá-la senhorita!
FIM.
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