terça-feira, 13 de setembro de 2011

"AJUSTES" parte 2.

#2.
Chegando em casa, a criaturinha mecânica saiu sem ajuda do porta malas, e com certo esforço também tirou a caixa com minhas coisas .
Me seguindo de perto, ele parecia deslumbrado com tudo. Bem, é uma casa simples, mas eu contrato uma moça que cuida da limpeza, então esta tudo limpo e em ordem, eu acho.
Abri a porta, entrei e sem olhar para trás, já fui dizendo:
-Bom... acho que primeiro vamos instalar tudo no escritório lá nos fundos...
Mas apenas a caixa estava dentro de casa. O robozinho estava no meio de um estranho ritual de limpeza: Equilibrado em uma perna só, ele limpava o pé direito com um lenço úmido. Depois, muito lentamente, ele ficou equilibrado na outra perna e limpou o outro pé, antes de entrar. Ele devia ter algum tipo de transtorno obsessivo compulsivo robótico.o fim ele apenas olhou para mim e disse:
-Higienizados, Sr.
É, isso ai não vai acabar bem.
As primeiras semanas transcorreram tranquilamente, mais ou menos. Fido tentava limpar a casa, e eu tentava manter Fido fora de problemas.
E é claro, trabalhar. De um lado, trabalhar em casa era excelente, pois podia trabalhar o quanto quisesse, a qualquer hora, desde que entregasse os relatórios dentro do prazo e, sem querer me gabar, eu que sempre entreguei meu trabalho dentro do prazo, passei a entregá-los em metade do tempo.
Porém havia um problema: o trabalho era meu único ambiente de convívio social. Agora eu passava os dias sozinho em casa sem ver ninguém.
Bem, não totalmente sozinho, já que tinha fido e Janine.
Fido, apesar de sua neurose com limpeza, era realmente útil. Organizava tudo de forma eficiente, de cuecas a arquivos do meu trabalho. Ele também limpava a casa constantemente. Até arrumar a cama, a única tarefa domestica que eu fazia (fazia mal, pois Janine sempre refazia a cama quando vinha trabalhar) ele passou a fazer. Janine, a moça  que faz a limpeza, é jovem, de boa aparência e trabalha muito. Além da minha casa, ela trabalha como baba e em uma pizzaria como entregadora, para pagar a faculdade onde cursa engenharia.
Janine teve uma reação ambígua ao ver fido. Ela gostava muito de máquinas e robôs, mas acho que se sentiu ameaçada pelo fido... Acabei dividindo as tarefas entre eles, deixando o fido um pouco de fora da área de Janine.
Fido também precisava de cuidados: A cada 72 horas ele recarregava suas baterias, uma vez por semana ele baixava suas atualizações, e uma vez por mês rodava um auto-diagnóstico preventivo (tudo sozinho).  Durante uma dessas ocasiões onde ele fazia seu download semanal, Janine veio a mim e me perguntou quais AppRs  eu estava usando.
-Apers? O que é isso?
Janine me olhou como se eu tivesse perguntado algo estúpido, como qual era a cor do céu.
-A-P-P-R-S! App- Rs! Aplicativos Robóticos! Eles servem pra deixar o robô mais útil!
É, Janine não se comportava de forma servil, muito pelo contrario, parecia que ela era a chefe e eu e fido os empregados, mas eu não ligava.
-Ah... Não sei, nunca vi isso, mesmo porque ele já faz tudo o que eu  preciso (até mais, pensei, mas nunca admitiria isso).
Janine ficou com uma cara desapontada, e continuou.
-Mas os Apprs também servem para diversão, e outras coisas! Tipo...tipo telefone!
Ela apontou para meu celular, velhinho...
- Você tem que pelo menos experimentar alguns!
E assim Janine passou a ser a co-proprietária de Fido. Todos os dias ela baixava versões gratuitas e de teste, do tipo “use por trinta dias” de uma variedade assustadora de programas.
Eram programas de culinária, de ginástica (sim, Janine passou um mês fazendo ginástica comigo, e não, eu não consegui  “tirar vantagem” da situação), e também alguns bem interessantes, como um programa com a função “impressora”. O meu robozinho foi dormir uma torradeira e acordou um Van Gogh, um Da Vinci, da pintura e do desenho. No começo ele desenhava cenários e imagens a lápis e caneta, mas depois eu tive a oportunidade de vê-lo pintar com giz e lápis de cor, foi impressionante. Janine trabalhava em um de seus projetos de engenharia, uma estação de ônibus com teto de vidro em forma de concha e fido, supervisionado por Janine, transformava a figura em preto e branco em uma ilustração de enorme qualidade.
    -Uau... Eu ainda não tinha visto um programa desses.
    -É bom, não concorda? Antes eu entregava meus projetos em preto-e-branco, pois eu não tinha nenhum talento para pintar. Agora o fido pode fazer isso para mim...
    -Isso não é trapaça?-Perguntei meio assustado.
    -Claro que não, o desenho é meu, ele só esta colorindo.
    E os dois continuaram pintando. Eu estava um pouco preocupado e maravilhado ao mesmo tempo. Robos podiam pintar lindos quadros, ou seja, não precisava-se mais de pintores. Haviam muitos setores de trabalho onde a participação humana havia quase desaparecido devido a disponibilidade de robôs de inteligência artificial verdadeira, normalmente trabalhos como minerar antigos depósitos de lixo atrás de metano e materiais recicláveis, mas a idéia de que robôs podiam substituir artistas me fez temer que nós, humanos, estivéssemos transferindo responsabilidades demais para as máquinas. Aonde essa espécie de preguiça mental levaria a sociedade, se as pessoas delegavam até a arte as maquinas?
    Claro que eu também me preocupei com meu emprego, afinal meu trabalho era mais simples do que pintar um quadro... E decidi fazer “serão” a semana inteira, pra mostrar que eu podia competir com um possível substituto robô.

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