segunda-feira, 12 de setembro de 2011

AJUSTES.

Aqui vai um conto em português para melhor atender aos meus compatriotas. em breve pretendo traduzir contos para o espanhol também, mas aos poucos...
Obrigado e boa leitura:
 AJUSTES.
Meu nome é João e eu sou uma pessoa bem normal, se você considerar normal alguém viver só sem amigos, saindo de casa apenas para trabalhar.
Minha casa é herança dos meus pais. É pequena e confortável, fica no subúrbio, um lugar bem calmo. Eu vivo lá, ou melhor, apenas durmo lá já que a maioria das minhas refeições são feitas fora de casa, já que acho um desperdício cozinhar só para mim.
Meu trabalho é ótimo, pelo menos em minha opinião.  A maioria dos meus colegas fica pouco tempo no meu setor, dizem que o trabalho é estafante e chato, e que ficam praticamente escondidos atrás das divisórias de plástico que separam nossas mesas. Normalmente eu não faço amizades dentro do trabalho, por que sou realmente tímido, mas sempre tento me dar bem com meus colegas de setor. Quando eles me perguntam o que acho do trabalho, eu dou de ombros e digo: “eu até que gosto.”
E gosto mesmo. Nós checamos documentos, vídeos, fotos e depoimentos sobre sinistros. Sinistros são acidentes, e nossa empresa é uma empresa de seguros. Só quero deixar isso claro, pois eu quase sempre me expresso de forma errada, ou é o que me dizem.
Meu trabalho é analisar informações periciais e determinar qual a porcentagem adequada de premio cada cliente deve receber, de acordo com os estragos. Vejo de tudo, caminhões de sorvete capotados, transformadores de escolas explodidos( algum delinqüente jogou uma lata de cerveja vazia dentro do transformador, não me pergunte como) , e outras situações que meus colegas acham deprimentes. Mas eu não ligo, já que sempre fui mesmo deprimido, e adoro passar horas estudando cada caso, e sempre que fico cansado, tenho a sorte de ter uma janela do meu lado que da para a rua. Eu ganhei essa posição na janela a alguns anos, quando eu desvendei uma fraude em um dos meu casos. Acho que meu chefe quis me recompensar, e eu realmente gostei.
Infelizmente minha empresa mudou.
Um assessor de eficiência foi contratado e muitas pessoas foram mandadas embora e depois substituídas por robôs. No meu setor o clima era pesado. Um dia cheguei na empresa, e vi que todas as mesas haviam sido limpas, e o conteúdo das mesmas colocado de forma excepcionalmente cuidadosa dentro de caixas de papelão. Todas as mesas, inclusive a minha.
Uma vontade de chorar surgiu, mas eu me controlei. Não tenho mais idade para chorar em publico.
No meu caminho para o banheiro, onde iria chorar escondido, dei de cara com o Assessor de eficiência, um rapaz muito jovem (eu já tenho 36. Sorridente, ele me deu bom dia, e sem esperar me conduziu direto para a sala dele.
E eu fui. O que podia fazer?
A sala era do tamanho do meu setor, onde éramos seis, mais dois estagiários, mas serei honesto, não havia ostentação ali, apenas trabalho. Trabalho e robôs, pelo menos cinco deles, homens metálicos magros e silenciosos, com grandes olhos de azul brilhante.
-João, que bom que te encontrei logo cedo.
Respondi com cordialidade, mas eu estava suando frio. Quem me dera eu tivesse faltado ao trabalho, mas então lembrei que em oito anos eu não havia faltado nem uma vez, nem por doença.
-Você deve saber que estamos reestruturando a empresa, deixando-a mais competitiva, e que tivemos que fazer algumas mudanças e, infelizmente, alguns sacrifícios.
“Alguns sacrifícios” Disse o açougueiro para a ovelha, pensei.
-...e infelizmente seu setor vai ter que mudar.
Fim de jogo,  estava sendo mandado embora, e nunca mais voltaria a trabalhar.
-... Portanto você e seus colegas vão passar a trabalhar em casa de hoje em diante. Desculpe o aviso assim, em cima da hora.
-Em casa? –disse quase gaguejando. Até pensei em perguntar se ele não estava enganado, afinal eu me sentiria mal se outra pessoa fosse mandada embora em meu lugar.
-Titus vai ser seu ajudante de agora em diante.
Titus? Ajudante. Eu já ia perguntar quem era esse tal Titus, quando ele apertou o botão do interfone e disse:
-Titus, venha cá, vou te apresentar alguém.
Me virei , olhando para a porta. A porta se abriu, e eu continuei olhando. Até que percebi que deveria olhar mais para baixo. 
Lá estava ele: Titus, um robozinho de plástico, com olhos realmente grandes  e uma altura de uns oitenta centímetros.
-João, para poupar custos à empresa vai mudar a forma como trabalha. Todos que puderem irão trabalhar em casa, assim poupamos dinheiro de convenio de estacionamento, vale combustível, vale transporte... Sem falar na conta de luz e no preço do aluguel do espaço físico da empresa. Como essa mudança é repentina, todos vão levar um Titus- D 212 para casa. Ele vai ajudar a conciliar as tarefas domesticas com as tarefas do trabalho.
Eu apenas olhava para a criaturinha a minha frente, e quando ele me esticou a mãozinha de quatro dedos para apertar minha mão eu fiquei sem reação. O robozinho olhou para mim, depois para sua mão, tirou um pedaço de papel toalha de algum lugar dentro da mochila que ele carregava a tira colo, limpou a mão novamente e disse, esticando o bracinho mecânico:
-Higienizada, Sr.
Dessa vez eu apertei a mãozinha, ainda pasmo. Eu nunca tive um robô. Minha família sempre foi simples, e esses robôs eram caros.
-Eu vou ter um robô?
-Na verdade a empresa é dona dele, e a empresa esta cedendo ele para você, assim como qualquer material que você precise do seu setor. Use-o como achar melhor, mas tenha cuidado com seus comandos, ele acabou de sair da caixa, então ele ainda é meio bobinho.
-Sim, mas eu irei desenvolver minha capacidade de raciocínio com o uso. Por favor, cuide bem de mim, para que eu possa servi-lo melhor.
Cuidar bem? Com certeza. Assim que chegasse em casa trancaria o mesmo no armário. Já pensou se ele quebrar? Deve custar uma fortuna!
Ainda pela manhã voltei para casa com fido, quero dizer, Titus. Fido Titus.  Me disseram para dar um nome próprio para ele. Não deu pra pensar em nada melhor, mas Fido não parecia ligar, pelo contrario, me atrevo a dizer que ele me seguia empolgado, sem tirar os olhos de mim. Ele insistiu em carregar minha caixa, o que fez com muita facilidade. Eu queria que ele viesse na caixa dele, escondido no meu carro, pois as duas quadras até o estacionamento davam muita chance para que um bandido qualquer tentasse roubá-lo .
No carro Fido não esperou nenhum comando, guardou a caixa no porta-malas e se sentou... bem,  ele se sentou ao lado da caixa, dentro do porta-malas.
Ei, é como eu disse, ele fez isso sozinho. Senti-me mal, como se trancasse um cachorrinho no porta-malas, mas fido logo disse:
-Sem uma cadeira especial, é perigoso transportar um humanóide do meu tamanho no banco de trás. Aqui posso viajar sem colocar sua segurança em risco.
-Hm... Se você realmente acha que deve, então tudo bem...
E fechei (cuidadosamente) o porta-malas.

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